O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) “perdeu para ele mesmo” a eleição presidencial de 2022 porque pecou por um excesso de bolsonarismo e se limitou a cultivar seus mais fiéis eleitores. Mas Bolsonaro perdeu por muito pouco para o presidente Lula (PT) —menos de dois pontos percentuais dos votos válidos, a menor margem desde a redemocratização. E esse mesmo bolsonarismo que lhe custou votos se mantém uma potência para 2026.
Essas são algumas das conclusões do livro “Voto a Voto – Os Cinco Principais Motivos que Levaram Bolsonaro a Perder (por Pouco) a Eleição”, da jornalista Maria Carolina Trevisan e do economista Maurício Moura, professor da Universidade George Washington.
A obra fala sobre os motivos que levaram Bolsonaro a ser o primeiro candidato à reeleição a perder o pleito.
As razões são conhecidas, mas o livro mostra, com pesquisas quantitativas e qualitativas, como cada um desses aspectos impactou as chances de reeleição do ex-mandatário.
A gestão da pandemia, a crise econômica, o contexto internacional de desgaste da antipolítica, a resistência das mulheres e a presença de um candidato de oposição forte fadaram o ex-presidente à derrota.
Em especial, a péssima atuação na Covid —o negacionismo científico, a postura antivacinas e a falta de empatia com os doentes, além de falhas logísticas— teve muito peso.
“A pandemia foi muito importante para a piora na avaliação do governo, tanto que um dado quantitativo muito forte é que a avaliação da gestão do governo federal do Bolsonaro em resposta à pandemia sempre foi pior do que a avaliação geral do governo. A gestão da pandemia trouxe a avaliação para baixo”, diz Moura.
Outro erro grave, segundo os autores, foi deixar o auxílio emergencial ser descontinuado em 2021, sem perspectiva de quando, e se, seria retomado (acabou voltando). “O trauma causado pelo fim abrupto dessa política social causou uma memória ruim nos beneficiários que demoliu sua popularidade. Isso, junto com a inflação de alimentos e combustíveis constante no ano eleitoral de 2022, enterrou a sua possibilidade de vitória”, diz o livro.
O excesso de bolsonarismo do ex-mandatário também desempenhou um papel. “Se tivesse gastado mais tempo, discurso e energia em temas relevantes para o país como economia e menos com temas irrelevantes como voto impresso, cloroquina, urna eletrônica, institutos de pesquisa, jornalistas e o seu ‘desempenho sexual’, o desfecho poderia ter sido outro.”
Os autores apontam que, desde o início da campanha, as pesquisas já prenunciavam que Bolsonaro teria uma tarefa custosa. A partir de compilação de resultados eleitorais de dezenas de pleitos estaduais de 1998 a 2018 no Brasil, os autores afirmam que um nível de aprovação inferior a 40% coloca o governante em posição bastante vulnerável para vencer uma reeleição.
Bolsonaro, ao longo de seu mandato, tinha dois indicadores muito ruins —mais de 50% dos eleitores achavam que ele não merecia continuar na presidência e aproximadamente metade dos eleitores avaliavam o governo como ruim ou péssimo.
Trevisan e Moura ouvem cientistas políticos e examinam pesquisas para tentar vislumbrar o futuro do bolsonarismo e suas chances nas urnas daqui para a frente. O diagnóstico é auspicioso para os apoiadores do ex-presidente. Uma pesquisa exclusiva do Instituto Ideia, com 1.500 entrevistas, mostrou que em fevereiro de 2023 cerca de 41% dos eleitores “votariam com certeza” em Bolsonaro —na região Sul eram 50,3% e, no Centro-Oeste, 47,2%.
Segundo Moura, a resiliência do bolsonarismo hoje vem de três pilares: o antipetismo, os valores mais conservadores em relação a religião e segurança pública, e os diversos políticos que foram eleitos com a bandeira bolsonarista.
Segundo Trevisan, o bolsonarismo, mesmo com seu principal líder inelegível (até 2030), continua forte. “Está enraizado e tem um núcleo ativo. Segue se baseando nos mesmos mecanismos que o fizeram crescer: espalha fake news e sabe usar o ambiente digital, fomenta uma base radical fiel que se reconhece, cria um ambiente de caos e se vende como única solução, opera no militarismo e nas pautas morais, e elegeu representantes para o Parlamento brasileiro.”
Boa parte da fidelidade dos eleitores de Bolsonaro está ligada ao negacionismo eleitoral: 63% dos votantes bolsonaristas, ou 32,3% do total de eleitores, acreditam que Bolsonaro perdeu principalmente porque houve fraude.
A tese é mais forte entre aqueles com maior escolaridade (66,5%) e eleitores das regiões Sudeste (64,5%) e Norte (64,9%).
Segundo pesquisa de Moura, os potenciais herdeiros do bolsonarismo, hoje, são o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, o governador de Minas, Romeu Zema, e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
“Se a eleição fosse hoje teríamos um cenário muito semelhante ao que tivemos no segundo turno de 2022, um país dividido em que a vitória de um lado ou de outro seria na margem”, diz. “Temos acompanhado no Brasil e outros países como os eleitos saem do pleito com o país dividido e têm muita dificuldade de aumentar sua popularidade; hoje, no mundo, pouquíssimos chefes de estado têm mais de 60% de aprovação, a maioria fica entre 40% e 50%.”