A família de Braulino Santana o viu pela última vez no ano de 1968. Eles moravam na zona rural de Lizarda, na região leste do estado, e trabalhavam com roça. De acordo com uma das filhas dele, Maria do Socorro Rodrigues Santana Correia, de 65 anos, o pai também fazia trabalhos em garimpos e chegou a sair algumas vezes de casa para conseguir mais dinheiro, mas sempre retornava. Na última ida ao garimpo, no entanto, nunca mais voltou.
Em entrevista ao g1, Maria do Socorro Rodrigues contou que o pai, Braulino, tinha o sonho de dar uma vida melhor à família em outra cidade, mas a mãe, Geni Rodrigues Santana, não aceitava a mudança por medo de deixar a família, e por causa do vício em bebida do marido.
“O meu pai foi embora deixando a gente muito criança e quando ele saiu, tinha uma expectativa de nos levar. Mas a minha mãe ficava em dúvida devido o meu pai beber. Ele saiu de lá da fazenda, convidou minha mãe, mas ela disse que não iria naquele momento porque não acreditava. Naquele tempo era muito difícil, muito distante, a gente não tinha desenvolvimento e talvez a minha mãe não teve aquela confiança de acompanhar”.
No ano de 1968, segundo a filha, Braulino chegou a Pedro Afonso e escreveu uma carta de próprio punho e enviou à família. Com data de 15 de julho daquele ano, ele desejou saúde à ‘estimada esposa’ e aos filhos, afirmando estar sentindo falta de todos.
Ele também pediu que Geni se preparasse com as crianças porque até o fim de julho, ou no mais tardar no início de agosto, ele iria mandar buscá-los para morarem juntos em Pedro Afonso. Ele também avisa a esposa para escolher algumas cabeças de gado, que ele iria pedir para um ‘compadre’ buscar com o intuito de custear a mudança.
O garimpeiro finaliza o texto com a seguinte mensagem: “Aqui fica o seu velho e amo que não lhe esquece (sic)”.
“Ele chegou em Pedro Afonso, escreveu a carta, mas nunca apareceu ninguém para buscar a gente. Algum tempo depois, a gente procurava notícias, mas não tinha notícia dele. E naqueles anos as pessoas saíam muito para garimpo, na ilusão de ganhar dinheiro. E nessa história acabavam muitos desaparecendo. Meu pai, a gente acredita, que foi um deles, que desapareceu na ilusão”, relembrou a filha.
Depois que Braulino desapareceu, Geni criou os cinco filhos com o dinheiro que conseguia na roça e por meio de costuras. Mas mesmo passados anos, Maria do Socorro lembra que a mãe procurou muito pelo pai.
“A gente ficou na espera pela vida. Minha mãe foi em alguns lugares procurando meu pai, por exemplo em Colméia, em Paraíso, mas nunca foi possível. A gente acha que ele desapareeu nessas encostas de garimpo, porque a ilusão dele era trabalhar nos garimpos”, explicou, ressaltando que desde que desapareceu, a família não recebeu nenhuma notícia de Braulino.
A filha também contou que ela não tem nenhuma lembrança física ou emocional do pai, já que quando ele despareceu, ela e os irmãos eram muito pequenos. Mas dona Geni, que faleceu no ano de 2015, sentia muita falta do marido com quem conviveu por 17 anos.
“A minha mãe tinha saudade porque gostava muito dele. A gente sempre ficava naquela curiosidade, naquela esperança de que um dia ele ia voltar. E minha mãe morreu na esperança de que ele voltasse. Inclusive minha mãe nunca mais teve outro marido, nem namorado, ela era muito séria, cismada”, explicou.
Passados 55 anos, não ficou nenhum nenhum vestígio, tampouco recordações do tempo que o pai estava em casa. Foi então que Maria do Socorro e os irmãos resolveram entrar com uma ação na Justiça para pedir uma declaração de morte presumida do pai, em setembro de 2023. Ela atualmente mora em Guaraí e o processo correu na 1ª Escrivania Cível de Novo Acordo.
Como argumentos, a família usou a carta de despedida, último contato que mãe e filhos tiveram com o pai e ainda relatos sobre as condições precárias da vida de Braulino, como o trabalho em garimpo, o fato de ser alcoólatra e ainda pela avançada idade. Como nasceu em 1926, se estivesse vivo estaria com 98 anos.
Em março deste ano, o Ministério Público estadual (MPE) se manifestou favorável ao pedido da família de Braulino e no dia 26 de maio, a juíza Aline Marinho Bailão Iglesias julgou procedente e declarou a morte presumida de Braulino Santana.
“É porque a gente toda vida teve aquela procura. Procuramos de todas as formas. Aí a gente resolveu ter uma certidão social dele, por isso a gente resolveu entrar com a ação. Tivemos o apoio de uma juíza que nos ajudou a mostrar que a gente tem um documento. Não é u documento bom, mas de qualquer forma é bom que tem comprovação”, disse a filha, sobre o motivo do pedido na Justiça.
A carta deixada enviada pelo pai e guardada por mais de cinco décadas com a mãe, hoje está com Maria do Socorro, que afirmou que vai cuidar da última lembrança do período em que a família estava reunida.
“Ela ainda continua aqui e vou conservá-la o tanto que eu puder. Está guardadinha, arquivada em um caderno”.