A campanha para a Prefeitura de São Paulo ainda não começou oficialmente, mas os pré-candidatos já acumulam uma série de recuos e adaptações em seus discursos —o clássico “não é bem assim” do jogo político.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB), que busca a reeleição, voltou atrás ao menos duas vezes. Ele passou a negar que tenha xingado o adversário Guilherme Boulos (PSOL) e que tenha dito que o boletim de ocorrência feito pela sua mulher não existia.
Boulos, por sua vez, mudou sua versão a respeito do voto que absolveu o deputado André Janones (Avante-MG) de “rachadinha”. O deputado também adotou novo tom ao tratar dos ataques do Hamas a Israel depois de uma crise e passou a mencionar o grupo terrorista.
Pré-candidato do PSDB, o apresentador José Luiz Datena manteve discurso dúbio sobre desistir da corrida e também corrigiu declaração sobre a tarifa zero do ônibus.
Já Pablo Marçal (PRTB) acena ao bolsonarismo, mas diz não ter pedido apoio de Jair Bolsonaro (PL) e mudou de discurso a respeito de querer ou não o apoio do ex-presidente.
Nunes e os xingamentos a Boulos
- Antes
No último dia 22, na convenção do PL, Nunes afirmou em seu discurso, sem citar Boulos nominalmente, mas se referindo ao deputado do PSOL: “Quero agradecer a cada um dos senhores por dar esse voto de confiança para que a gente possa dar continuidade a esse trabalho e vencer o invasor, vencer esse vagabundo desse sem-vergonha.”
No evento, o partido de Bolsonaro confirmou o vice na chapa de Nunes, o coronel Ricardo Mello Araújo (PL).
- Depois
Na sexta-feira (26), Nunes afirmou, em nota, que não se referiu a nenhum adversário em específico.
“Eu não cito diretamente nenhum candidato na minha fala. Se o Boulos vestiu a carapuça e está se reconhecendo como o ‘vagabundo’, ele deve ter uma boa razão para isso”, declarou.
Antes do recuo de Nunes, Boulos havia acionado a Justiça, na quinta-feira (25), pedindo uma retratação pública do prefeito em um processo de danos morais.
Nunes e o boletim de ocorrência da mulher
- Antes
Na sabatina realizada pela Folha e pelo UOL, no último dia 15, Nunes afirmou que um boletim de ocorrência de violência doméstica feito em 2011 por sua esposa, Regina Carnovale Nunes, era forjado. Na época, Regina o acusou de ameaçá-la e não deixá-la em paz.
À pergunta “o boletim de ocorrência é forjado?”, ele respondeu: “É óbvio que é forjado”.
Também declarou, em outro momento da sabatina: “A Regina já falou que ela não fez [o BO]”.
O prefeito disse ainda que a esposa contratou um advogado, que foi à delegacia, e “a resposta foi: não existe esse boletim de ocorrência aqui, ele físico”. Nunes sugeriu que um documento da delegacia provaria a não existência do registro policial
O documento da Polícia Civil, no entanto, afirma que a via original não foi localizada, mas confirma que a escrituração do boletim foi encontrada no livro de registro de ocorrências. A Secretaria da Segurança Pública do estado confirmou que Regina foi à delegacia da mulher para fazer o boletim.
- Depois
No último dia 19, em um vídeo divulgado em suas redes, Nunes deturpou o que havia dito antes e afirmou que não havia negado a existência do boletim de ocorrência.
O prefeito declarou que, durante a sabatina, quis dizer que a história criada sobre o BO é que seria forjada. “Em nenhum momento afirmei que aquele BO é falso como documento. O que eu disse na entrevista é que o seu conteúdo tem informação que não corresponde à realidade.”
O registro policial foi revelado pela Folha na campanha de 2020, quando Nunes disputava a eleição na condição de vice de Bruno Covas (PSDB). Sua existência já havia sido admitida por Regina Nunes.
Boulos e o Hamas
- Antes
Um dia após os ataques do Hamas a Israel, em outubro do ano passado, Boulos se manifestou em suas redes sem mencionar o nome do grupo terrorista palestino.
“Condeno sem meias palavras ataques violentos a civis, como os que mataram nas últimas horas 250 israelenses e 232 palestinos”, postou.
Após os ataques, perfis de direita resgataram a foto de uma visita de Boulos à Cisjordânia em 2018, insinuando relação dele e de seu partido com o Hamas. O pré-candidato afirmou se tratar de fake news.
A ausência de menção ao Hamas, porém, fez com que o ex-secretário estadual de Saúde Jean Gorinchteyn decidisse sair do grupo que preparava o plano de governo de Boulos na área da saúde.
- Depois
Para contornar a crise, Boulos fez um discurso na Câmara dos Deputados em que citou o Hamas.
“Diante da situação trágica que nós estamos acompanhando no Oriente Médio, eu queria aqui me solidarizar com todos os familiares das vítimas dos ataques propagados pelo Hamas. Nada justifica o assassinato de civis inocentes”, disse. “E é importante lembrar que o Hamas não representa o conjunto do povo palestino.”
Boulos e a ‘rachadinha’ de Janones
- Antes
Relator do processo disciplinar sobre Janones no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, Boulos votou, em junho, pela absolvição argumentando que o deputado não estava de posse do mandato no momento da reunião que gerou a suspeita.
Ocorre que todas as evidências apontam para o fato de que Janones já tinha tomado posse de seu primeiro mandato (2019-2023) quando pediu devolução de parte dos salários de assessores, em reunião gravada possivelmente em fevereiro de 2019.
Na gravação da reunião do político —que reconheceu ser sua a voz nos áudios— com seus assessores, ele diz que naquele dia haveria sessão no plenário da Câmara e ele ainda estava desguarnecido sobre como proceder, além de reclamar com a equipe que outros deputados já estavam apresentando projetos de lei e ele, não.
O deputado só pode apresentar projeto de lei se já tiver de posse de seu mandato.
- Depois
Na sabatina Folha/UOL, no último dia 12, Boulos mudou o discurso e disse que votou pela absolvição porque haveria uma jurisprudência que impediria o prosseguimento do processo.
A jurisprudência à qual se refere é a que limitaria processos no Conselho de Ética a casos ocorridos no atual mandato (2023-2027). Não há, entretanto, nada no regimento interno da Casa nem no Código de Ética e Decoro Parlamentar que limite processos de cassação a infrações ocorridas apenas no período de exercício do mandato.
A tese defendida por Boulos contraria, inclusive, o que ele e o PSOL adotaram em pedidos de cassação que protocolaram contra adversários.
Datena e eventual desistência
- Antes
Lançado pelo PSDB em junho para disputar a prefeitura, Datena afirmou em entrevistas que poderia desistir. Ele já foi filiado a outros dez partidos e ameaçou sair candidato em quatro eleições, mas desistiu em todas.
“Até que eu faça parte do meio político, eu vou continuar na expectativa de ser ou não ser, eis a questão. Se alguém me sacanear de hoje até o dia da eleição, [a candidatura] vai ficar no meio do caminho também”, disse em sabatina realizada por Folha e UOL.
Em entrevista à Folha, no último dia 22, Datena afirmou: “Se o [Joe] Biden pode desistir a qualquer momento, por que eu não posso? Desde o começo, falei: se me sacanearam, eu desisto mesmo”.
- Depois
Já em entrevista ao Flow Podcast, no dia 23, Datena afirmou que seria, sim, candidato. “Eu não vou desistir de coisa nenhuma. Eu vou até o fim.”
Datena disse ainda que não sabia que o conteúdo da entrevista à Folha seria “tão editado”. Segundo ele, sua menção a Biden, que desistiu da eleição americana, foi para dizer que o presidente dos EUA teve “a virtude de reconhecer” que o povo é o principal ator.
Datena e a tarifa zero
- Antes
Em sabatina Folha/UOL, Datena afirmou que acabaria com a tarifa zero aos domingos, medida implementada por Nunes.
“Porque não existe esse negócio de tarifa zero. Você tem que cobrar um preço justo durante a semana para o cara pagar um preço justo também aos domingos e feriados”, disse.
“O ônibus teria que ter tarifa zero a semana inteira, um ano inteiro, um mês inteiro, de tanto dinheiro que esse cara [Nunes, atual prefeito] enfia em empresa de ônibus. Não tem cabimento uma coisa dessa daí. É um absurdo”, completou.
- Depois
Já em entrevista à Folha, na semana seguinte, Datena negou que acabaria com a tarifa zero. “Não, eu fui mal-entendido, eu falei que a tarifa zero é uma mentira desgraçada desse prefeito”, disse.
“Eu posso até dar tarifa zero, mas desde que os caras [empresários do setor] cobrem um preço justo durante a semana inteira. Se você tiver isso, não precisa de tarifa zero”, respondeu.
Marçal e apoio de Bolsonaro
- Antes
Durante viagem a Brasília, em junho, Marçal buscou Bolsonaro e lhe fez uma visita, em um aceno ao ex-presidente e seu eleitorado. Bolsonaro já estava comprometido a apoiar Nunes na eleição paulistana.
Após o encontro, Marçal afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que não havia chances de Bolsonaro apoiar Nunes e que a candidatura do prefeito estava desidratando. Também declarou que não foi pedir apoio a Bolsonaro, mas ganhou conselhos dele.
À Folha o ex-presidente disse que a conversa de ambos girou em torno do tema do apoio da eleição. “A essa altura do campeonato, eu não tenho como apoiá-lo”, disse Bolsonaro sobre Marçal, reforçando o compromisso com Nunes.
Em entrevista à Folha, em 7 de junho, Marçal respondeu “quem não gostaria?” ao ser questionado se queria o apoio de Bolsonaro.
- Depois
Na sabatina realizada por Folha e UOL, em 10 de julho, ao ser questionado sobre querer o apoio de Bolsonaro, Marçal afirmou que não havia falado isso. “Eu não falei isso, isso é só uma palavra sua”, disse.
Em outro momento da entrevista, sinalizou buscar o voto dos bolsonaristas apesar de Bolsonaro apoiar Nunes.
“O eleitor do Bolsonaro é um eleitor que pensa, ele não é movido por essa paixão aí não.”