Surpresa para as campanhas adversárias, a consolidação de José Luiz Datena (PSDB) na eleição para a Prefeitura de São Paulo amplia a munição retórica contra o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e a disputa por votos com Guilherme Boulos (PSOL) entre os pobres.
Na mais recente pesquisa Quaest, os três aparecem embolados na liderança –20% para Nunes e 19% para Boulos e Datena—, o que bagunçou um cenário antes mais ou menos consolidado em que o prefeito e o deputado do PSOL se enfrentariam no segundo turno.
Entre aliados de Nunes, a aposta ainda é que o segundo turno deve opor o prefeito a Boulos, mesmo que o caminho, no primeiro turno, tenha ficado mais complicado. Se passar pela primeira etapa, deixando não só Datena como Pablo Marçal (PRTB) para trás, a leitura é a de que Nunes é favorito contra Boulos.
Já a pré-campanha do PSOL, como mostrou a coluna Painel, passou a considerar um segundo turno entre Boulos e Datena, seguindo a avaliação de que o eleitorado do apresentador tende à direita e, por isso, ele pode tomar o lugar do prefeito.
Na última pesquisa Datafolha, na simulação de segundo turno entre Nunes e Boulos, aqueles que declararam voto em Datena se dividiam com 52% para o emedebista e 33% para o deputado do PSOL.
Aliados de Datena, porém, ponderam que o apresentador tende a atrapalhar o crescimento que a campanha de Boulos espera ter entre a população de baixa renda quando ficar clara a associação entre o deputado do PSOL e o presidente Lula (PT).
Na Quaest, o tucano aparece com 28% das intenções de voto entre os que recebem até dois salários mínimos, à frente de Nunes (21%) e Boulos (13%).
Por outro lado, a convenção do PSDB, no último dia 27, deu mostras de como Datena pode afetar também a campanha de Nunes, que foi o principal alvo do tucano.
Com algumas ressalvas de que ainda há investigações em curso, Datena explorou suspeitas que cercam a gestão Nunes e associou o prefeito ao crime organizado.
Esse mesmo discurso, de que a gestão Nunes é contaminada por corrupção, está na boca e nas redes de Boulos há meses, mas adversários do deputado dizem acreditar que as críticas alcançam mais potencial por meio do apresentador policialesco do que do esquerdista líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). Datena, afinal, é conhecido por denunciar bandidos na TV.
Na convenção tucana, Datena afirmou que iria sanear o poder público “dessa gente que é ladra”. “Vamos colocar quem roubou essa cidade na cadeia.”
A respeito dos militantes do PSDB favoráveis a Nunes, disse: “Isso é misturado a bandidos que estão querendo manter o crime organizado no poder”. “Nem sei se tem gente do PCC misturada aqui, fazendo baderna”, completou.
O apresentador também comentou o vídeo, revelado pela Folha, em que uma mulher investigada pela Polícia Federal no caso conhecido como máfia das creches afirma que Nunes recebeu repasses desviados de verbas municipais.
“De novo o nome do prefeito Ricardo Nunes envolvido com questões de ilegalidade envolvendo creches”, afirmou.
Quando o então pré-candidato Ricardo Salles (PL) acusou Nunes de abrigar em sua gestão máfias do asfalto e do lixo, a Controladoria-Geral do Município o notificou a especificar as denúncias de corrupção a que se referia.
Agora, auxiliares de Nunes minimizam o efeito das declarações de Datena e até opinam que elas nem sequer deveriam ser abordadas pelo prefeito –que, por sua vez, já respondeu ao menos duas vezes, afirmando que governar uma cidade é diferente de apresentar um programa na TV.
“Com todo o carinho ao nosso grande apresentador Datena, mas são coisas bem distintas você estar atrás das câmeras, com microfone, falando dos problemas, de solucionar os problemas”, disse no último dia 30.
Esses políticos afirmam que, segundo pesquisas internas, Datena é uma figura desacreditada pelos eleitores. Primeiro, porque ainda há dúvidas se ele vai de fato concorrer, já que desistiu outras quatro vezes.
E tampouco há certeza de que ele seria capaz de apresentar boas propostas e tocar a máquina da prefeitura. Conselheiros do prefeito dizem que falta à campanha de Datena, ancorada num debilitado PSDB, a resiliência e a estrutura necessárias para o período eleitoral.
Outra razão para não comprar briga com o apresentador seria justamente poder contar com ele, ou ao menos com os eleitores dele, no eventual segundo turno contra Boulos –hipótese que alguns aliados de Nunes dão como muito provável —enquanto a equipe de Datena diz duvidar.
Entre os políticos ouvidos pela reportagem, muitos apontam que o PSDB, que tem intensificado a oposição a Lula, não deve apoiar Boulos e, por isso, poderia compor com Nunes, considerando que boa parte dos tucanos está com o prefeito desde já.
No caso de Datena, é diferente. Primeiro porque o apoio dele no segundo turno exigiria que o eleitor esquecesse as críticas atuais do apresentador ao prefeito. O entorno de Nunes diz ser possível, dado que Datena já pediu a prisão de Aécio Neves (PSDB-MG) e hoje coleciona fotos ao lado do deputado, incentivador da sua candidatura.
Em segundo lugar, existe uma proximidade entre Datena e Boulos –o apresentador chegou a cogitar ser vice na chapa do PSOL. Como mostrou o Painel, emedebistas se queixam de que Datena critica o prefeito enquanto poupa ou elogia o pré-candidato do PSOL.
Aliados de Datena afirmam que apoios no segundo turno nem sequer são discutidos com o apresentador, que tem convicção de que ele vai chegar à segunda etapa da votação. Além disso, pontuam que as críticas a Nunes se justificam pelo fato de ser ele o mandatário e, portanto, é a gestão dele que está sob escrutínio na eleição.
Colaborou Joelmir Tavares, de São Paulo