Através das capturas de tela feitas em agosto de 2021 pela própria vítima, Fabiola Yañez pedia ao marido que parasse com as agressões físicas. Naquele período, a então primeira-dama já estava no segundo mês de gravidez.
“Sinto-me mal fisicamente”, dizia Alberto Fernández a sua esposa, embora a agredida fosse ela. Fabiola Yañez responde: “Isto não funciona assim. O tempo todo você me bate. É insólito. Não posso deixar que você me faça isso, quando eu não lhe fiz nada. Tudo o que eu procuro fazer com a mente concentrada é defendê-lo e você me bate fisicamente. Não há explicação. E você volta a me bater. Está louco”, reclama.
O ex-presidente retruca: “Sinto-me mal”, quando Fabiola exclama: “Você está me batendo há três dias seguidos”.
“Custa-me respirar. Por favor, para. Sinto-me muito mal”, alega Alberto Fernández.
Fabiola Yañez mostra duas fotos com as marcas da violência. Numa, tem o contorno do olho direito completamente preto de tantos golpes. Noutra, é possível ver hematomas no braço direito, próximo à axila. “Quando você me sacudiu pelos braços, deixou-me roxo. Isso é de quando você me sacudiu”, mostra.
Ao enviar a foto do olho machucado, ela escreve com ironia: “Isto é de quando você me bateu sem querer”.
Essas são as primeiras de uma série de provas que Fabiola Yañez começou a entregar à Justiça argentina sobre as consequências físicas da violência que sofria silenciosamente na residência presidencial. As fotos e o diálogo fazem parte do processo que começa a ser construído.
Em paralelo às fotos e aos diálogos, um vídeo foi entregue pela própria Fabiola Yañez como prova do que ela afirma ser uma das inúmeras infidelidades de Alberto Fernández. O vídeo apareceu no celular que o próprio Fernández deu para o filho assistir desenhos animados.
Durante dois minutos, Alberto Fernández filma a radialista Tamara Pettinato num diálogo de sedução no qual ele insiste para que “ela diga algo lindo” até que ela diz que o ama e ele devolve o galanteio, enquanto a esposa está na residência presidencial. O breve vídeo foi filmado no gabinete presidencial da Casa Rosada durante um jantar a dois em 2020, quando ela tinha 36 anos e ele 61.
À época, o país estava numa estrita quarentena no contexto da pandemia de coronavírus e os argentinos estavam proibidos de saírem de casa.
Alberto Fernández e a ex-primeira-dama Fabíola Yañez, em imagem de 2021 — Foto: Andrew Medichini/AP
Caso veio à tona sem querer
Na terça-feira (6), a ex-primeira dama deixou o país em comoção ao denunciar golpes físicos e “terrorismo psicológico” aplicados sistematicamente por Alberto Fernández durante o seu mandato.
As evidências surgiram em junho passado quando a Justiça investigava Alberto Fernández por corrupção através do celular da sua ex-secretária, María Cantero, esposa de um assessor de seguros com quem o ex-presidente teria montado um esquema para ficar com comissões a partir da venda obrigatória de seguros a ministérios, organismos e empresas públicas.
No celular, apareceram diálogos entre a secretária de Alberto Fernández e a primeira dama nos quais Fabiola Yañez descrevia os episódios de violência. Também apareceram diálogos entre a secretária e o marido com a ideia (concretizada) de comprarem um presente (uma joia) para que Alberto Fernández desse à primeira-dama como forma de acalmá-la.
Ao deparar-se com um delito paralelo, o juiz Julián Ercolini perguntou se Fabiola Yañez queria registrar uma queixa, recebendo uma resposta negativa. Na terça-feira, a ex-primeira dama mudou de ideia.
Após a denúncia, o juiz proibiu Alberto Fernández de sair do país, de aproximar-se da sua agora ex-mulher e mãe do seu filho nascido em abril de 2022.
Fabiola Yañez mudou-se com o filho para Madri, onde o casal viveria após o término do mandato em 10 de dezembro passado. No entanto, Alberto Fernández retornou à Argentina de onde, também denunciou Fabiola, dispara um assédio telefônico diário com chamadas e mensagens ameaçantes.
O juiz ordenou que “cessem os atos de perturbação ou de intimidação que, direta ou indiretamente, Alberto Fernández realize tanto no espaço analógico quanto no digital”.
Também por ordem do juiz, o governo argentino vai reforçar a segurança da ex-primeira dama com o envio de dois agentes e com o retorno do atual, de quem se suspeita ser informante de Fernández.
A Procuradoria especial para vítimas de violência de gênero do Departamento Geral de Acompanhamento, de Orientação e de Proteção às Vítimas entrou em contato com Fabiola Yañez para começar a montar a peça processual.
O ex-presidente diz que “é tudo falso” e que “vai levar provas e testemunhos à Justiça”. Embora tenha dito que não falará com a imprensa, nas últimas horas deu uma entrevista ao jornal espanhol El País que deve ser publicada, também em vídeo, ainda nesta sexta-feira (9).
Fabiola Yañez trocou de advogado nas últimas 24 horas porque o anterior tinha vínculo com Fernández. Antes de trocar, no entanto, contou que foi agredida com socos e chutes, ficando com “o rosto desfigurado” em algumas fotos.
“O que se sabe até agora é apenas uma gota do oceano. Se ela falar, muita gente vai sofrer dores de cabeça”, revelou o substituído advogado Juan Pablo Fioribello.