Autoridades e eleitores brasileiros também se envolveram com as eleições legislativas na França, na qual a extrema-direita ficou em terceiro lugar, depois de ter liderado no primeiro turno. E até hoje repercute no país e no governo a reeleição, acusada de fraudulenta, do presidente Nicolás Maduro, na Venezuela.
Para especialistas ouvidos pelo g1, eleições mundo afora estão, de fato, mais globalizadas. Não só o país envolvido repercute o pleito, mas, de certa forma, grande parte da comunidade internacional. E isso se deve a alguns fatores, como:
- rapidez das informações (avanço da internet e redes sociais)
- acirramento de ideologias
- globalização da economia e dos temas políticos e morais (valores)
“Não é mais possível separar temas externos e domésticos, todos estão imbricados, dado o impacto que uma decisão doméstica tem sobre os interesses externos, e vice-versa”, afirmou Janina Onuki, professora do Departamento de Ciência Política da USP.
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O cientista político Leonardo Paz Neves, da Fundação Getulio Vargas (FGV), ressalta que a globalização da política e das próprias eleições nacionais é uma tendência em crescimento, porque o mundo está muito conectado, empresas têm negócios em vários países e as populações têm acesso instantâneo ao que acontece em outros lugares.
“Sem dúvida que a gente vive em eleições cada vez mais globalizadas, isso não é uma novidade dessa eleição, naturalmente”, afirmou o especialista.
“É uma tendência de crescimento e não vai deixar de crescer. A aproximação dos países, a aproximação das pessoas, a maneira como o que acontece em um país começa a impactar nos outros, enfim, cada vez mais a interligação dos centros financeiros, a quantidade de multinacionais, a quantidade de pessoas que lidam com outras, trabalham o tempo todo”, completou Paz Neves.
Ele explica, por exemplo, que o resultado na eleição legislativa na França interessa ao Brasil não só do ponto de vista ideológico, mas também econômico. A depender da corrente política vencedora, o acordo do Mercosul com a União Europeia pode ficar mais próximo ou mais distante.
“Isso naturalmente faz com que a política de um país impacte nos outros, quer dizer, dependendo do que sair da França, vai ter ou não vai ter acordo com a União Europeia, então tem umas coisas dessas que já geravam isso, já impactavam normalmente, só que a gente começa a perceber esse impacto mais forte”, afirmou.
Acirramento de ideologias e polarização
Um outro pilar apontado por especialistas é a polarização na sociedade, em que atores políticos e eleitores tendem a se alinhar a posições cada vez mais rígidas.
“Tudo que ocorre nos outros países também tem ligação com direita, esquerda, está dentro dos espectros ideológicos. Então, as pessoas transplantam isso. Um exemplo mais recente são as eleições nos Estados Unidos. A gente tem uma candidata do Partido Democrata [Kamala Harris]. E um candidato dos republicanos [Donald Trump]. Mais ou menos eles representam o que seria uma esquerda e uma direita, embora os atuais democratas estejam muito distantes de uma esquerda e lá eles se chamam de liberais”, disse Flávia Loss de Araújo, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fepesp).
A professora Onuki, da USP, argumenta que a ascensão de líderes de perfil populista nos últimos anos favorece esse cenário de “contaminação” da política de um país pelas eleições em outro.
“Com a globalização, e a disseminação imediata de informações, as eleições, como vários outros acontecimentos políticos, repercutem imediatamente em todo o mundo. Nos últimos anos, a ascensão de líderes populistas, a polarização ideológica, e o receio de retorno de regimes autoritários, têm chamado atenção de vários atores”, afirmou.
Segundo ela, a depender de um vencedor das eleições, toda uma região pode ser afetada geopoliticamente.
“Isso se percebe não somente pelo interesse em todas as eleições, mas também pelo fato de haver uma contaminação regional. A depender do candidato que ganhe, toda uma região pode sofrer com a instabilidade política”, disse.
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Políticos sentem necessidade de entrar no debate
Como os temas e as discussões estão globalizados e as pessoas, em razão da polarização, logo aderem a uma das posições defendidas, políticos dentro de seus países sentem a necessidade de entrar rapidamente no debate, para não perderem o momento de maior engajamento.
“Pensa no caso do Maduro. Qualquer movimentação do Lula [aliado histórico do venezuelano] em relação a esse caso será atacada. Ele será acusado de várias coisas. Então, eu uso isso para atiçar meus apoiadores, se sou um parlamentar do PL, por exemplo, e aproveito o interesse das pessoas nesses temas. É interessante esse fenômeno”, refletiu a professora Flávia Loss.
“Então, várias vezes os ministros, por fazerem parte do governo e serem ministros de Estado, têm que reagir também porque, por exemplo, se começa uma onda de fake news, o governo tem que dar uma resposta”, completou.
Para Paz e Neves, o impacto das eleições globalizadas se dá principalmente nos discursos e ideias que circulam na política.
Isso porque, segundo o especialista, o interesse pelas eleições em outros países reflete principalmente que as pessoas estão preocupadas com valores que elas veem em jogo, e não necessariamente com efeitos práticos em suas vidas.
“Quer dizer, basicamente, 90% das pessoas que estão criticando lá, ou discutindo a eleição na França, não fazem isso em função do impacto dela no Brasil concreto, mas em função se você acha que moralmente ou valorativamente um lado é mais importante”, disse.
Políticos percebem que são os valores e preferência ideológicas que conduzem grande parte dessa discussão acalorada e que, se souberem se aproveitar, isso pode lhes render votos.
“As pessoas criam torcidas de futebol: pró- [Donald] Trump, pró-Kamala, e por aí vai, porque se identificam. Se esse cara não gosta do Lula, eu estou com ele. Se esse cara não gosta do [Jair] Bolsonaro, ele é meu. E aí transplantam o debate para cá”, sintetiza Flávia Loss.