Que brasileiro gosta de carnaval, não é segredo para ninguém. Mas botar os blocos nas ruas de Lisboa tornou-se um suplício para os foliões que se preparam o ano inteiro para fazer valer as tradições. Neste ano, das 13 agremiações que estavam preparadas para desfilar, apenas sete conseguiram fazê-lo, perante as dificuldades que enfrentaram junto à Câmara de Lisboa.
E mesmo assim porque recorreram a um instrumento previsto na Constituição de Portugal, que permite a ocupação de locais públicos como manifestação política. Não fosse assim, teriam de pagar cerca de 26 mil euros (R$ 156 mil) em taxas e infraestrutura.
Para que o tormento não se repita em 2025, os blocos de Lisboa — agora, são 14 — se agruparam em uma única instituição, que ficará responsável por todas as negociações com a Câmara e os órgãos que concedem licenças, inclusive, a Polícia de Segurança Pública (PSP).
Foi criada a Associação da União dos Blocos de Carnaval de Rua de Lisboa (UBCL), cujo presidente é Cauê Matias. “Entendemos que precisávamos ter um discurso único para falar com quem é de direito, até porque as informações variam de um local para outro. Cada órgão público diz uma coisa, e isso complica tudo”, afirma ele, que integra o Lisbloco.
As conversas entre a associação dos blocos deverão ser feitas a partir deste mês diretamente com o prefeito de Lisboa, Carlos Moedas, que puxou para ele a responsabilidade de temas ligados à cultura. Procurada, a Câmara não se manifestou, mas os representantes dos blocos acreditam de que os entraves serão superados a tempo de o carnaval do próximo ano ocorrer de forma tranquila, para que os foliões possam se divertir dentro das regras estabelecidas.
“Ninguém quer fazer bagunça nas ruas, o que se pretende é promover desfiles de forma organizada, sem transtornos”, afirma Nei Barbosa, um dos fundadores do Bloco Barbas, no Rio de Janeiro, e que mora em Portugal há quatro anos.
Exemplo do Rio
Barbosa foi convocado para ajudar na organização dos blocos de Lisboa com base na experiência que viveu no Rio, no início dos anos 2000. “Naquela época, o carnaval de rua do Rio estava praticamente falido. Não havia qualquer articulação com os órgãos públicos”, lembra.
Na tentativa de driblar os problemas e revitalizar a tradição de levar os foliões para as ruas, as principais agremiações criaram uma associação, a Sebastiana, que passou a liderar um movimento junto às autoridades e a possíveis patrocinadores. “E deu certo. Os blocos recuperaram o poder de atrair o público e de se financiarem. Esse modelo se replicou por outras cidades”, ressalta.
O carioca, que decidiu curtir a aposentadoria em Portugal ao lado da mulher, conta que ele chegou até os blocos carnavalescos de Lisboa por meio do Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe), que viu a necessidade de as agremiações de articularem. “Estava tudo muito disperso, quando o ideal é união. O carnaval de rua é um evento complexo e caro. Não podemos deixar que os custos da folia recaiam sobre os organizadores dos blocos.
A associação permitirá que os blocos possam falar de uma maneira organizada e mais contundente com a Câmara”, destaca Barbosa. A meta é mostrar todo o impacto do carnaval para a economia de Lisboa e de outras municípios que decidirem encampar esse evento em suas agendas oficiais.
A associação já conta com o suporte da embaixada do Brasil em Lisboa, que, no ano passado, repassou 5 mil euros (R$ 30 mil) aos blocos. O dinheiro, que chegou numa sexta-feira, um dia antes do início dos desfiles, foi suficiente para cobrir alguns custos, mas não para garantir a folia como um todo.
“Infelizmente, a Câmara deixou tudo para o último momento. Fomos empurrados para uma burocracia maior do que a de anos anteriores. Isso, mesmo as negociações com a Câmara tendo começado em julho de 2023”, afirma Karlla Tavares, uma das fundadoras do Bloco Viemos do Egyto.
Para ela, é fundamental que o carnaval feito pelos blocos seja reconhecido oficialmente como manifestação cultural em Portugal, voltada não apenas para a comunidade brasileira, mas também para os portugueses e os turistas. “Esperamos que o nosso movimento seja entendido pela Câmara”, reforça.
Karlla acrescenta que o movimento realizado pelos blocos deve ser visto como um “ato político de resistência em solo europeu, por toda a questão colonial, a xenofobia e o racismo que atingem os imigrantes que vivem na região”.
Alegria nas ruas
As negociações dos blocos em Lisboa envolvem diretamente a ministra brasileira da Cultura, Margareth Menezes. Numa das passagens dela por Lisboa, no ano passado, ela recebeu uma carta de representantes da comunidade brasileira relatando os desafios de se difundir a cultura do carnaval em terras lusitanas. “Além da ministra, o Ministério do Turismo do Brasil se dispôs a nos apoiar. É preciso que as autoridades portuguesas, em especial, a Câmara de Lisboa, entendam que os blocos não têm fins lucrativos, são tocados por voluntários, por pessoas que se preparam o ano todo para levar alegria às ruas”, diz Cauê. “Mas tudo tem custo, que precisa ser bancado de alguma forma”, emenda.
Lá Fora
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Apenas o aluguel de três a quatro banheiros químicos custa 1,8 mil euros (R$ 10,8 mil). “A esse gasto, somam-se aqueles com palco, som, luz, segurança”, lista o presidente da associação dos blocos. “Há, ainda, as despesas com os músicos. São profissionais que precisam ser remunerados”, complementa. Cauê assinala que há muitas distorções em todo o processo.
“Nos casos em que a Câmara cede os equipamentos para a montagem de palcos, os blocos têm de arcar com os custos de transporte e montagem. Fizemos uma pesquisa com empresas que atuam no ramo e concluímos que o valor de se fazer tudo com elas, incluindo os mesmos equipamentos cedidos pela Câmara, o valor é praticamente o mesmo”, frisa.
A expectativa em torno de uma solução para o desfile dos blocos em 2025 em Lisboa anima o músico Diogo Presuntinho, do Patú Sambá, uma escola de percussão para rodas de samba. Ele promete engrossar a lista de opções para os foliões com o lançamento do Bloco Secretinho. “Nossa expectativa é de que tudo se resolva logo”, afirma.
Na avaliação de Júlio Brechó, do Lisbloco, é importante a profissionalização do carnaval, pois será uma fonte de renda para os músicos, que devem viver exclusivamente desse trabalho. Neném do Chalé, dos Cuiqueiros de Lisboa, capital portuguesa merece ter um carnaval de verdade, e os blocos de rua são os instrumentos para tornar isso realidade.
Este texto foi originalmente publicado aqui.