É espantosa a proposta de uma nova eleição na Venezuela sugerida por Celso Amorim ao presidente Lula, que mencionou o assunto em conversa com ministros. Ao final de uma sequência de equívocos, o governo brasileiro, desorientado, entra no território do desatino.
Depois de ter paparicado Maduro em Brasília, a diplomacia e os esforços de Lula no que tange às eleições venezuelanas fracassaram. A começar pelo acordo de Barbados, que teve o Brasil como fiador, pelo qual Maduro se comprometeu com eleições livres e limpas, submetidas ao acompanhamento de observadores internacionais. Bem antes do pleito, as promessas foram sendo abandonadas enquanto o presidente brasileiro insistia em declarações pueris e constrangedoras na tentativa de tapar o sol com a peneira.
O governo brasileiro passa a sensação de que sua influência na região é muito maior do que de fato se vem constatando na realidade. Como bem observou Hussein Kalout, em artigo publicado esta semana na Folha, a própria ideia sempre repetida de que o Brasil é o “líder natural” do continente carece de embasamento.
Note-se que até o governo progressista do Chile sempre foi mais crítico do que o brasileiro no tratamento dispensado a Maduro e não se mostrou leniente com a fraude que já se percebia no dia seguinte à votação.
Mesmo que adequada num primeiro momento, a posição do Itamaraty de solicitar a apresentação das atas pelo Conselho Nacional Eleitoral não tardou a entrar em descompasso com os fatos. Tornou-se evidente que Maduro não respeitaria o pedido brasileiro, endossado pela Colômbia e pelo México, que, aliás, já abandonou a trinca. Paralelamente, o Brasil simplesmente não quis saber das atas em posse da oposição que demonstrariam a derrota do caudilho. Restou um constrangedor festival de tergiversações e tolices por parte de Amorim.
A proposta de uma nova eleição não tem a menor chance de se tornar realidade. Foi, aliás, motivo de chacota na Venezuela. A publicação satírica “El Chiguire Bipolar”, espécie de “Sensacionalista” local, manchetou: “Brasil propõe repetir eleições até que Maduro ganhe”.
Como se sabe, o governo brasileiro é guiado pela visão terceiromundista de Amorim, que não se importa muito com desrespeito a direitos humanos e lisura eleitoral desde que o país vizinho se alinhe com o Sul Global contra a aliança ocidental.
Não é impossível que o Brasil ainda possa ajudar numa tentativa de levar Maduro a algum tipo de negociação. É muito improvável, contudo, que isso aconteça. Será difícil o mandatário venezuelano ceder. Se o fizer, será sob o peso de fortes pressões, linha que o Itamaraty não dá sinais de que vá seguir.
Até aqui a crise venezuelana tem servido para diminuir o tamanho do Brasil e desgastar a imagem de Lula internamente e na esfera internacional.
Diante desse quadro, ganhou proporções mais delirantes a pretensão inicial do presidente brasileiro de se apresentar como mediador para o conflito provocado pela invasão russa à Ucrânia. Lula parece confiar demais na suposição de que sua lábia tem poderes encantatórios. Melhor faria se adotasse uma posição realista e comprometida com os reais interesses regionais, que não residem em estratégias mirabolantes para mudar a geopolítica global.
Colunas e Blogs
Receba no seu email uma seleção de colunas e blogs da Folha
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.