A família acredita que a contaminação com o vírus da raiva aconteceu no dia 2 de outubro, quando o comerciante foi até a propriedade rural e encontrou um cachorro que não era do local.
O sobrinho do comerciante, Roberto Sampaio, contou ao g1 que o tio queria pegar o animal para levar à cidade e ver se alguém o adotaria, mas acabou sendo mordido quanto tentou colocá-lo na caminhonete.
Ainda de acordo com a família, Gilmar foi até o Hospital Regional de Alvorada no mesmo dia, mas acabou não recebendo atendimento e a vacina antirrábica. Foi somente orientado a lavar o ferimento. “Foi na farmácia, comprou uma pomada, ele fez assepsia na hora lá no local, lavou, passou álcool”, comentou sobrinho.
Sobre a falta de atendimento a Gilmar no Regional de Alvorada no dia em que ele foi mordido, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) afirmou que não foi notificada sobre o atendimento dispensado ao paciente e pontua que não compactua com quaisquer atitudes que diferem do atendimento humanizado (veja nota no fim da reportagem).
Cerca de 15 dias depois, Gilmar começou a apresentar sintomas gripais. Houve também a suspeita de que ele teria sofrido um Acidente Vascular Cerebral (AVC), pois logo percebeu que havia um comprometimento na locomoção e fala.
Exames não acusaram o AVC, mas os sintomas aumentavam mesmo após ele ficar em observação.
Como Gilmar não conseguia falar direito, Roberto levou o tio, a tia e as primas em uma consulta neurológica. Foi durante uma conversa informal que o episódio da mordida do cachorro foi citado, segundo o sobrinho.
“Ela [a médica] pediu pra ver, já estava até cicatrizado e ela o mandou para o hospital regional pra fazer uma punção. E de lá os sintomas começaram a evoluir e já começou antes do resultado chegar a tratar como raiva”, relembrou, afirmando que nesse momento o tio salivava muito, mas estava consciente.
A internação em Gurupi foi no dia 22 de outubro e segundo a filha Marly Mariany Sampaio Mendes, a família sabia da gravidade da raiva humana. “Todo tempo os médicos disseram que a doença era algo gravíssimo, mas com passar dos dias meu pai estava respondendo muito bem, estava estável na UTI, então fomos criando expectativa”, disse.
Conforme a família, depois do episódio da mordida, todos os cães da fazenda desapareceram.
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No Hospital Regional de Gurupi, Gilmar passou por protocolos pré-estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Inclusive, foram ministrados medicamentos especiais de origem americana.
“Começou com quatro comprimidos, foi para oito depois pra dezesseis, mas depois da administração desse medicamento ele teve uma piora, porque ele estava durante todo esse tempo com os sinais vitais estáveis, a saturação 100%, a pressão 12 por oito, a função renal funcionando perfeitamente”, explicou o sobrinho.
Mas apesar dos esforços, Gilmar morreu no último fim de semana. A despedida ocorreu na segunda-feira (11).
Após a morte, o governo estadual reforçou a imunização em Alvorada. Equipes técnicas da Agência de Defesa Agropecuária (Adapec) e da Secretaria de estado da Saúde (SES) estiveram em Alvorada na sexta-feira (8) e nesta segunda-feira (11) avaliando os riscos de contaminação. Um relatório será divulgado posteriormente à população assim que for finalizado.
A SES informou que emitiu ofício circular a todos os secretários municipais de saúde, com as informações sobre o caso de raiva registrado na cidade de Alvorada e as orientações pertinentes sobre a doença e os cuidados preventivos.
A raiva humana é causada por um vírus encontrado geralmente em morcegos hematófagos, ou seja, se alimentam de sangue. Em Gilmar, segundo a Secretaria de Estado da Saúde, foi identificada a variante AgV 3, transmitida por morcegos.
Altamente letal, pode ser transmitida ao ser humano pelo contato com saliva e secreções de animais mamíferos infectados, sejam eles cães, gatos, macacos, bovinos, porcos, além do próprio morcego, entre outros.
Segundo a veterinária Ana Paula Lima, os animais domésticos que estão mais propícios a se infectarem são os que não são vacinados regularmente e que estão expostos à natureza, como animais de chácara ou casa, e que possam ter contato com o morcego.
“A primeira coisa que a pessoa tem que saber é de onde é esse cachorro, esse gato, quem é o tutor desse animal e se ele é vacinado. Se ele for vacinado, a probabilidade de ter raiva para transmitir é quase inexistente”, explicou.
Assim como no ser humano, animais domésticos quando são diagnosticados com raiva geralmente morrem logo após a apresentação dos sintomas. Mas o morcego consegue sobreviver mais tempo com o vírus, segundo a veterinária.
“Quem consegue não ter sintoma e infectar vários outros organismos é o morcego, por isso é perigo. Agora o cachorro não, ele muda totalmente o comportamento. Por isso uma das formas de acompanhamento da doença é observar aquele animal que mordeu uma pessoa para ver se desenvolve algum sintoma”, disse.
Ana Paula também reforçou a orientação de procurar imediatamente um serviço de saúde quando a pessoa for atacada por cachorro ou gato.
“A pessoa que foi agredida por um cachorro ou um gato tem que ir diretamente para um postinho de saúde ou UPAs para receber um soro e toda a proteção para não desenvolver a doença. Antes começar a manifestar já eliminar o vírus”.
Por ser uma zoonose sem cura, a vacinação dos animais durante as campanhas anuais é fundamental para evitar a doença, completou a veterinária. “O CCZ faz essas campanhas justamente por não ter cura. Então não tem porquê não ter todos os animais vacinados, de fazenda também. É uma doença muito cruel”, alertou.
Íntegra da nota da Secretaria de Estado da Saúde
A Secretaria de Estado da Saúde (SES-TO) informa que já emitiu ofício circular a todos os secretários municipais de saúde, com as informações sobre o caso de raiva registrado na cidade de Alvorada e as orientações pertinentes sobre a doença e os cuidados preventivos.
A SES-TO destaca que entre as ações de prevenção está a vacinação antirrábica, que no Tocantins, a última foi realizada de dezembro de 2023 a fevereiro de 2024, com cobertura de 85% sendo vacinados 303.841 animais e a recomendação aos municípios é que sigam vacinando até que 100% dos animais sejam imunizados.
Além disso, como prevenção, faz-se necessária a profilaxia em tempo oportuno e célere, a pacientes agredidos por animais mamíferos, bem como o acompanhamento minucioso por parte das equipes de saúde, para verificação de alterações do quadro clínico.
A SES-TO esclarece que não foi notificada sobre o atendimento dispensado ao paciente Gilmar Sampaio da Silva, no Hospital Regional de Alvorada e pontua que não compactua com quaisquer atitudes que diferem do atendimento humanizado e dentro dos protocolos estabelecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e toda pessoa pode manifestar-se por meio da Ouvidoria do SUS, um canal seguro, para relatos de queixas e elogios a respeito dos serviços e acolhimentos recebidos nas unidades sob sua gestão. Os contatos são: (63) 3218-2025 ou o 0800 64 27200. As denúncias podem ser feitas de forma sigilosa e para todas elas, são abertos processos investigativos e tomadas as medidas legais cabíveis.