A eleição de Trump evidencia o que as pesquisas de confiança dos consumidores vêm apontando: a percepção sobre a economia não tem acompanhado o desempenho de indicadores, como a evolução do PIB e as taxas de desemprego. Ainda que seja verdade que o voto seja cada vez mais influenciado por motivos além do econômico, como identidade e valores, os resultados revelam que a alta do custo de vida tem impactado os resultados nas urnas.
O fenômeno ocorre em vários países, independentemente da posição ideológica do partido no poder. Em 16 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), os partidos incumbentes perderam, em média, 7% de seus votos desde 2022, quando a inflação atingiu patamares altíssimos em vários locais.
Em Portugal, o partido de centro-esquerda perdeu 13% dos votos; já na Lituânia o partido de centro-direita viu seu apoio diminuir em 7,8%. Os conservadores no Reino Unido perderam 19,9% da sua base eleitoral, enquanto o Partido Trabalhista da Nova Zelândia perdeu 23,1%. O Canadá ainda não teve eleições, mas os liberais do primeiro-ministro Justin Trudeau estão temerosos com um possível revés no ano que vem.
Nos países da OCDE, o nível de preços em setembro de 2024 era cerca de 30% maior do que em dezembro de 2019. Parte dessa alta deve-se à pandemia e à Guerra da Ucrânia, porém não podemos subestimar as políticas fiscais e monetárias expansionistas, que em vários países foram maiores e mais prolongadas do que o necessário. Nesse sentido, os Estados Unidos são um exemplo.
O American Rescue Plan —pacote de estímulo econômico sancionado por Biden em 2021— ajudou os EUA a se recuperar mais rapidamente do que a Europa, mas seu custo foi de US$ 1,9 trilhão (quase R$ 11 trilhões). Na época, o Comitê de Orçamento Federal Responsável (organização apartidária) alertou tanto para suas consequências no aumento da dívida pública quanto para o risco inflacionário.
Em março de 2022, o Fed começou a subir os juros após a inflação atingir quase 8,5% em 12 meses, abandonando a visão de que o fenômeno era temporário, com a taxa de desemprego em 3,6%. Na direção oposta, e no mesmo ano, Biden lançou o Inflation Reduction Act, um conjunto de medidas para promover o crescimento sustentável e reduzir custos no setor de saúde, proposta que adicionou cerca de US$ 430 bilhões (R$ 2,4 trilhões) em novos gastos.
Tudo isso posto, quais lições ficam para o Brasil? Depois de uma forte expansão fiscal e da perda de credibilidade no arcabouço, estamos diante de uma piora da inflação corrente, um nível de câmbio que tende a pressionar preços e com expectativas futuras desancoradas há bastante tempo.
As esperadas medidas estruturais, que devem diminuir o ritmo de crescimento dos gastos obrigatórios, são essenciais para evitar uma escalada da taxa de câmbio e da inflação.
O BC já alertou que o aperto monetário pode ser mais prolongado, mas sua eficácia é baixa quando o fiscal vai na direção oposta.
O falso dilema entre crescimento e política fiscal sustentável tem um preço alto: mais inflação. E o peso recai sobre o bolso do eleitor.
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