Na construção de uma casa, as escolhas feitas pelo arquiteto podem torná-la mais ou menos eficiente no consumo de energia, e isso hoje em dia já é regulado no Brasil por dois sistemas: a NBR 15.575 (Norma de Desempenho Mínimo de Edificações) e o PBE Edifica (Programa Brasileiro de Etiquetagem de Edificações).
Nenhum deles é obrigatório durante a construção de um novo edifício, mas ambos podem ser aplicados a fim de garantir uma residência com melhor aproveitamento da energia, diz Roberto Lamberts, professor titular do Departamento de Engenharia Civil da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e supervisor do Labeee (Laboratório de Eficiência Energética em Edificações).
Mesmo que uma diretriz, como a NBR 15.575, por exemplo, não seja obrigatória na construção de uma casa, ela pode ser usada como parâmetro caso o consumidor se sinta prejudicado com a falta de eficiência energética.
O comprador de um imóvel pode verificar junto ao Código de Defesa do Consumidor se o imóvel atende ao mínimo prescrito no regulamento, ou seja, se tem um desempenho energético mínimo de acordo com a norma.
De acordo com Lamberts, embora a norma estabeleça três níveis de classificação (mínimo, intermediário e superior), a maioria das construtoras ainda priorizam cumprir apenas as especificações mínimas, mesmo em imóveis de alto padrão.
Para contornar esse problema, o professor aconselha que o cliente solicite ao arquiteto e aos responsáveis pela construção que o projeto seja pensado para alcançar um desempenho superior.
O segundo mecanismo, o PBE Edifica, entra como método averiguador de um imóvel.
Assim como equipamentos eletrônicos são classificados conforme o consumo de energia, residências também possuem uma classificação, pelo Programa Brasileiro de Etiquetagem de Edificações, como mais ou menos eficiente energeticamente.
Diferente da etiquetagem de produtos eletrônicos, que compara os aparelhos entre iguais, o PBE Edifica compara um edifício com o índice da NBR 15.575.
“Na etiquetagem residencial o nosso ‘C’ corresponde ao mínimo da 15.575, o ‘B’ ao intermediário e o ‘A’ ao superior”, diz Lambers. A passagem do nível ‘C’ para o ‘A’ proporciona uma economia de energia de entre 16% a 35%, variando entre as zonas climáticas, na qual regiões mais quentes apresentam porcentagens maiores de economia de energia.
Ainda dentro da categoria ‘A’, é possível diminuir mais os gastos, chegando ao nível dos edifícios que produzem energia suficiente para suprir a própria demanda ou mais. Esses são os chamados ZEB, sigla em inglês para prédios zero energia (zero energy building).
A tendência é que esses procedimentos evoluam, que haja políticas públicas que contribuam para que possamos chegar aos padrões internacionais, diz o professor. Segundo Lamberts, o programa ainda é pouco usado, mas há debates para que essa avaliação se torne obrigatória.
Lamberts destaca que todo arquiteto deveria se preocupar com a eficiência energética em um projeto, mas que hoje, “infelizmente, na arquitetura vemos muito a busca da estética, apenas”.
Ele exemplifica com produtos habitacionais que observou em Florianópolis: estúdios pequenos com uma fachada envidraçada e virada para oeste. “Vira uma estufa, não é possível ficar dentro dessa sala”.
Lucila Chebel Labaki, professora-colaboradora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, também relata um caso que experienciou há alguns anos.
Ao visitar Foz do Iguaçu, uma cidade de clima tipicamente quente na primavera e no verão, ficou em um hotel em que a fachada oeste era toda pintada de preto.
Como essa parede recebia luz solar direta no período da tarde e a tinta preta absorve o calor, o ambiente interno aquecia e o ar-condicionado não era suficiente para resfriar o quarto.
Casos como esses são exemplos de edificações que não respeitaram as diretrizes da eficiência energética. Para ter conforto térmico nesses locais, será preciso usar ar-condicionado, gasto que poderia ser evitado se o projeto tivesse levado as normas em conta.
Folha Mercado
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Se o imóvel está em fase de planejamento, o primeiro passo é pedir ao arquiteto que elabore uma obra que atenda ao nível máximo da NBR 15.575.
Esse profissional levará em conta fatores como os materiais, a insolação e a ventilação, tripé essencial para uma casa eficiente energeticamente, segundo Labaki, que também é física e pesquisadora na área de conforto térmico e eficiência energética em ambientes construídos.
A professora explica pontos importantes durante o planejamento de um imóvel, sendo o primeiro passo estudar o clima e a região da construção.
O clima da cidade
O clima influencia diretamente na concepção de uma edificação. Uma casa em Belém (PA) não terá as mesmas necessidades que uma residência em Porto Alegre (RS). A especialista diz que é necessário considerar a amplitude térmica do local, ou seja, a diferença entre a temperatura máxima e a mínima do território.
Em geral, quanto mais distante da linha do equador, maior a amplitude térmica das cidades. E, quanto maior essa diferença de temperatura entre o verão e o inverno, maior é a dificuldade para projetar uma casa com conforto térmico e que consuma menos energia.
Labaki explica que essa dificuldade se dá porque, em ambientes onde há muita variação de temperatura, como no sul do Brasil, é preciso pensar em soluções para a residência reter calor durante o inverno e ainda sim ser fresca durante o verão.
O contrário acontece no norte do país, no qual a amplitude térmica é menor ao longo do ano e é necessário pensar em espaços que sejam adequados ao calor excessivo e à umidade.
Por outro lado, grande parte do Nordeste possui altas temperaturas e clima seco.
Para cada ambiente são necessárias soluções específicas para que o interior da casa mantenha-se confortável gastando o mínimo de energia possível.
Circulação de ar
“Janelas são elementos fundamentais de um projeto”, ressalta Labaki, já que permitem a troca de ar interior com o exterior. Para isso, é desejado posicioná-las no sentido dos ventos predominantes da região e com um sistema de ventilação cruzada.
Esse método implica ter uma abertura para a entrada dos ventos e uma para a saída, assim é possível que haja circulação do ar e a troca de temperatura com o ambiente externo.
Outro mecanismo para a dissipação da temperatura interna é o efeito chaminé, uma abertura projetada para que o calor seja dissipado pelo alto. O fenômeno ocorre porque o ar quente é menos denso que o ar frio e tende a subir, enquanto o segundo tende a descer. Com uma abertura superior, o ar quente tem por onde deixar o ambiente.
Espaços com o pé direito alto proporcionam o mesmo efeito, a parte inferior do cômodo tende a se manter resfriada e mais fresca, enquanto o ar mais quente se acumula perto do teto.
Casas com o pé direito alto e muitas aberturas são ótimas para climas quentes, pois contribuem para que haja essa circulação natural do ar, economizando com o uso de climatizadores.
A lógica é contrária para ambientes frios. Teto baixo permite que o ar aquecido fique mais próximo da altura dos moradores, além de exigir menos dos aquecedores por terem um espaço reduzido para aquecer.
As janelas menores contribuem para diminuir a perda de calor interior do imóvel. Lamberts ressalta que janelas possuem baixa resistência térmica, ou seja, deixam o calor passar facilmente, o que não é interessante em regiões mais geladas.
“O que dá para fazer para o clima frio é colocar vidro duplo ou uma segunda camada de vidro, caso já exista um instalado”, explica o especialista.
Outros mecanismos usados são as películas de isolamento térmico e as fitas de vedação. Elas impedem a passagem de ventos e chuva, ajudando a não entrar ar frio no imóvel.
Nos locais em que a amplitude térmica é grande, é necessário que a residência seja pensada para ser bem ventilada no verão, mas também tenha a capacidade de isolar o frio. Nesses casos, é preciso que o projeto seja pensado para suprir as duas necessidades, unindo soluções que conversem com altas e baixas temperaturas.
Posição solar
No hemisfério sul, o Sol nasce no leste e se põe no oeste. Por isso, as faces de uma casa que estiverem viradas para o leste recebem sol pela manhã e as viradas para o oeste, pela tarde.
Além disso, por causa da inclinação da Terra, no hemisfério Sul esse percurso do sol entre o leste e o oeste se dá em direção ao norte – quanto mais longe do Equador estiver uma região, mais essa inclinação fará diferença, principalmente no inverno.
Num país como o Brasil, portanto, as partes da casa que estiverem viradas para o norte receberão luz solar praticamente o dia todo, enquanto as que estiverem viradas para o sul serão menos atingidas pelo sol, principalmente no inverno.
Esse conhecimento é usado na arquitetura a fim de determinar a posição das aberturas de um imóvel e a posição das fachadas.
Ao planejar uma casa, é necessário levar em consideração a posição solar para determinar os espaços internos. Um quarto virado para o oeste, por exemplo, ficará quente à tarde e à noite, porque receberá a luz do sol após o meio-dia, quando o ar já está mais aquecido naturalmente.
O mesmo vale para janelas de vidro. Cômodos em que elas estejam voltadas para leste, norte ou oeste tenderão a se aquecer mais que aqueles com vitrôs voltados para o sul.
Materiais da construção
“Uma habitação conversa com o clima externo através da envoltória do ambiente: paredes, janelas, cobertura. É por aí que ocorre a troca de calor”, explica Labaki.
Alguns materiais possuem maior resistência térmica que outros. De acordo com Lamberts, paredes maciças de concreto, comumente usadas em programas de habitação popular, como o Minha Casa Minha
Vida, são as que mais conduzem calor.
Já entre materiais que são bons exemplos de resistência às variações de temperatura o professor cita tijolos furados de cerâmica, blocos de concreto e o material “wood frame” com isolantes.
“Wood frame” são paineis pré-moldados de madeira usados para a estrutura da construção. Combinados com isolantes térmicos, são opções eficazes na manutenção da temperatura interna da casa. Entretanto, não são tão comuns no Brasil. Atualmente, a alvenaria é a mais popular.
Segundo Lamberts, “o tijolo furado de cerâmica tende a ter uma resistência térmica um pouco maior que o bloco de concreto”. Ou seja, o bloco de concreto oferece menor conforto térmico, por perder mais calor que outros.
Também há diferença em relação à cobertura das casas. Telhas térmicas, chamadas de sanduíches, são ótimos isolantes. Feitas em três camadas, diminuem a variação de temperatura da residência bloqueando o calor exterior e também impedindo que ele saia, em dias mais frios.
As telhas de cerâmica e de concreto são mais conhecidas, sendo a primeira mais eficiente para propiciar conforto térmico, por apresentar níveis mais baixos de condutividade térmica.
O especialista diz que também é comum as residências terem laje, mas isso não garante um isolamento maior que um forro de pvc ou madeira. A diferença, segundo ele, é pequena, mesmo que a laje seja mais espessa.
Entretanto, caso a cobertura seja uma laje, é possível transformá-la em um telhado verde com o preparo e revestimento adequado para o plantio. Essa solução funciona como um isolante acústico e térmico para o interior da casa.
Além do material empregado, as tintas escolhidas fazem diferença: cores escuras esquentam mais. Se o objetivo for deixar o ambiente mais fresco, priorize pintar as paredes externas e o telhado de cores claras a fim de diminuir a absorção da radiação solar. Caso a intenção seja aquecer, escolha cores escuras.
Consumo de energia
A instalação elétrica da casa influencia diretamente na quantidade de energia consumida no dia a dia da família. Quando ela é feita de maneira ineficiente, tende a aumentar as perdas de energia.
O quadro de luz, a fiação, a quantidade de tomadas e a voltagem precisam estar de acordo com o consumo e os aparelhos conectados. Por exemplo, se os fios usados no sistema elétrico tiverem uma espessura abaixo do ideal para comportar a eletricidade que passa, poderá haver perda de energia no caminho e gerar falhas, como rompimentos do material.
Nesses casos, economizar no sistema elétrico gerará gastos no momento do consumo.
Também é possível prever economias, como a substituição do chuveiro elétrico por um com sistema de aquecimento solar. Essa tecnologia usa placas solares para aquecer a água por meio da radiação solar.
No modelo não há a geração de eletricidade, diferente das placas fotovoltaicas que também podem ser instaladas no telhado a fim de produzir eletricidade para o consumo doméstico.
Caso você vá comprar uma casa já finalizada, sem poder acompanhar o planejamento e a construção, os especialistas também dão algumas dicas de como escolher uma que tenha mais eficiência energética.
Leve uma bússola
Ao visitar um imóvel, seja casa, apartamento ou outro tipo de produto habitacional, leve uma bússola para entender quais espaços recebem luz solar a cada hora do dia. Por exemplo, se a visita foi agendada para o período da manhã, é comum que o interior esteja fresco, mesmo que haja sol direto. Entretanto, a fachada que estiver virada para o oeste receberá mais luz solar à tarde e, consequentemente, deixará aquele espaço mais aquecido.
Caso essa situação aconteça em um quarto ou espaço pequeno e sem ventilação, é possível que o ambiente precise de recursos extras para resfriá-lo, o que significa um aumento no consumo de energia.
Além de levar uma bússola, se possível, visite o imóvel em mais de uma hora do dia e dê preferência ao momento em que há maior incidência de luz solar nas fachadas e janelas.
Verifique a ventilação e a luz natural
Para que haja a circulação eficiente de ar, é necessário o sistema de ventilação cruzada. Abra as janelas e as portas e analise se há caminhos para os ventos entrarem e saírem do interior do imóvel.
Janelas que sejam inteiramente de vidro contribuem para a iluminação, porém podem superaquecer o ambiente interno se forem voltadas diretamente para o Sol em algum momento do dia. Por isso, venezianas são boas opções: ao serem fechadas, impedem a entrada de luz solar e continuam recebendo ventilação pelas frestas.
Analise o exterior
A cor das partes exteriores vai influenciar na absorção de calor do imóvel. Caso a compra seja uma casa e as paredes externas sejam escuras, é possível pintá-las. Entretanto, essa mudança é mais difícil em apartamentos, por existirem normas de padronização das fachadas.
Outro ponto é a vegetação. Plantas ajudam a diminuir a temperatura do ambiente por gerarem sombra, absorverem a radiação solar e usá-la como alimento, deixando o ambiente mais fresco.
Árvores caducas (que perdem suas folhas no inverno) são excelentes opções para sombreamento do exterior dos imóveis, pois no verão apresentam folhagem densa e projetam sombra. Já no inverno, elas permitem a passagem da luz solar.